terça-feira, 31 de julho de 2007

A quem tem servido o Direito?

"Os lírios não nascem das Leis, meu nome é tumulto e se inscreve na pedra...” (Drumond de Andrade)

Longe de queremos encontrar uma resposta, a presente contribuição visa suscitar o debate em torno do papel que o Direito tem desempenhado na história da humanidade, em particular, nos dias atuais, tão marcados por manifestações, levantes e insurreições populares em diversas partes do mundo, em busca de melhores condições de vida e trabalho para o conjunto da classe trabalhadora e da juventude, exploradas pelas classes dominantes.

Há aproximadamente três semanas, a Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Belém, na pessoa do 3º Promotor de Justiça do Direito do Consumidor, Marco Aurélio Lima do Nascimento, enviou um ofício (n.º 148MP/3ªPJ/DC) ao Sr. Comandante Geral da PM – Polícia Militar – fazendo a seguinte solicitação “ ... solicitamos à V.Exª, determine a prisão em flagrante delito de pessoas que promovam manifestações populares, utilizando como método reivindicatório a interdição de ruas, avenidas e rodovias no Estado do Pará, logo após o esgotamento de diálogo e solicitação verbal para a desobstrução de via pública, devendo a Polícia Militar valer-se de todos os meios legais para a dispersão de distúrbios...” . Alega o referido Promotor que o “sagrado direito de ir e vir” estaria sendo ferido, uma vez que diariamente são realizados um grande número de manifestações populares em flagrante desrespeito as instituições públicas, violando direitos constitucionais fundamentais de outros cidadãos.

O direito à liberdade de locomoção (ir e vir), como afirma Canotilho e Moreira, constitui, em certa medida, simples corolário do direito à liberdade, portanto, está relacionado com a própria dignidade e personalidade humanas. Mas como posso dizer que uma pessoa, por exemplo, é livre se ela não pode comprar as bases vitais de sua existência, num sistema como o nosso? A única liberdade, portanto, que resta a maioria do povo brasileiro é a subjetiva, a mesma que também tem um preso, na prisão, de pensar. A liberdade está também relacionada às condições materiais da vida das pessoas. Significa que a liberdade depende também da situação de classe em que as pessoas se situam. Por isso, indagamos, até que ponto o Direito não tem determinada função exatamente para manter as coisas como estão, exatamente para manter e consagrar ideologicamente as linhas de preservação de tudo que está aí, ou seja, contribuindo para o próprio cerceio da liberdade? O Grande poeta, filósofo e dramaturgo Bertold Brech já dizia “Considerando nossa fraqueza, os senhores forjaram suas leis para nos escravizar. As leis não são mais respeitadas considerando que não queremos mais ser escravos. Considerando que os senhores nos ameaçam com fuzis e canhões, nós decidimos: de agora em diante tememos mais a miséria que a morte”.

De fato, essa é uma questão dialética, pois precisamos entender que o próprio Direito implica em contradições e conflitos. Não do Direito em si, mas dos homens que o fazem, porque o Direito não faz nada por si só. A iniciativa do MP, para que de fato fosse coerente, deveria determinar a prisão em flagrante delito, não de trabalhadores e trabalhadoras que, se todos os dias vão às ruas, é porque não agüentam mais viver em uma prisão sem grandes a que estão submetidos; mas dos Políticos Corruptos (como os beneficiados pelo mensalão), dos Latifundiários (como os que hoje armam suas milícias no campo para combater os movimentos pela terra) e dos próprios Ex- e Atual Ministros da Fazenda por aplicarem uma política econômica que retira investimentos das áreas sociais para fazer crescer o bolo do superávit primário.

Rudolf Von Ihering, em seu livro intitulado “A Luta Pelo Direito”, afirma “A vida do direito é uma luta: dos povos, do Estado, das classes sociais, dos indivíduos”.e, logo em seguida, acrescenta, “Todos os direitos da humanidade foram conquistados na luta; todas as regras importantes do direito devem ter sido, na sua origem, arrancadas àquelas que elas se opunham, e todo o direito, direito de um povo ou direito de um particular, faz presumir que se esteja decidido a mantê-lo com firmeza.” Por isso, que o direito não é uma pura teoria, mas uma força viva.

Muitas das vezes, e a história tem provado isso, a modificação que tanto almejamos não pode ser obtida, senão com o sacrifício de um ataque muito sensível a direitos e a interesses privados existentes. O próprio aplicador do direito jamais deve / deveria negar essa particularidade, uma vez que o próprio direito, quando lhe é conveniente, em outras palavras, quando é de interesse das classes dominantes, prevê excepcionalidade do direito de locomoção (Art. 139º CF / 88). Um exemplo recente e importante deste conflito foi a última grande mobilização dos trabalhadores e da juventude Francesa contra o CPE – Contrato do Primeiro Emprego – que viria destruir conquistas no terreno do Código do Trabalho e do Contrato Coletivo. O presidente Chirac, em meio aquele processo, dizia “Eu não defendo os ultimatos em uma democracia. Temos instituições democráticas. Fizemos a revolução para obtê-las, para desenvolvê-las (...) Quando uma lei é votada pelo Parlamento ela deve ser aplicada; o que não impede de discutir tal ou qual modalidade”. Isto significava que a retirada do CPE questionaria as instituições da V República. Todavia, após fortes manifestações, fechamentos de ruas e vias públicas em várias cidades da França, os trabalhadores e a juventude francesa conseguiram revogar o CPE e garantir direitos historicamente conquistados.

Ainda em relação ao direito e sua preservação, em outras palavras, a preservação dos interesses das classes dominantes, Marx e Engels em o Manifesto Comunista, referindo-se à abolição da propriedade privada, diziam “... só poderá realizar-se, em princípio, por uma violação despótica do direito de propriedade e das relações de produção burguesas”. Não há como, portanto, conseguirmos terra, trabalho e liberdade sem abalarmos de forma inequívoca as estruturas do atual regime democrático burguês, pois as classes dominantes jamais abdicarão, pacificamente, de preservarem seus Status Quo.

Por isso, é de um equívoco tamanho a posição do MP em relação às manifestações de rua, visto que elas decorrem de uma imposição histórica colocada por um sistema marcado pelo antagonismo de classes e pela sobreposição de poucos a muitos. É ignorar da própria compressão da palavra direito uma visão dialética e abraçar “de unhas e dentes” uma concepção metafísica, de manutenção do estado das coisas. Certamente, apesar de toda a disposição por parte do Estado de fazer valer a determinação em questão, ela não conseguirá se firmar, porquanto desconsidera um elemento fundamental e de conhecimento, suponhamos, de todo o jurista: “O Direito é reprodução da vida social, e a realidade social, a seu turno, parece não ser tão harmônica assim, visto que existem antagonismos entre grupos sociais que, não raro, perseguem interesses opostos. “

Como dizia Fausto Goethe “Tal é a conclusão aceita atualmente: Só deve merecer a liberdade e a vida quem para as conservar luta constantemente.” Portanto, o dia em que o direito renunciar apoiar-se na luta, abandonará, indubitavelmente, a si próprio.
Só a Luta Muda a Vida!

Fabrício Gomes – Estudante do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará e Coordenador Geral do DCE-UFPA.

Bibliografia:

- Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. – 16. Ed. – São Paulo: Atlas, 2004.
- Ihering, Rudolf Von. A Luta Pelo Direito. Tradução de Marcos Zani. Coleção JG Editor. – São Paulo, 2003.
- Manifesto Comunista. Karl Marx e Friedrich Engels. Publicado em 1848.
- Combate Socialista. Publicação da CST – Corrente Socialista dos Trabalhadores. Nº 15 / Abril de 2006.

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